Artigos Os cartórios na era digital

Os cartórios na era digital

Ivanildo Figueiredo

Algumas pessoas afirmam que cartório é uma herança colonial, que só existem no Brasil e em Portugal. A mídia e setores do governo insistem na tecla e repetem o mantra de que cartório é sinônimo de burocracia, que deveriam ser extintos, seus serviços incorporados a outros órgãos públicos, e ninguém ia sentir falta.

Ora, se nós habitássemos um país das maravilhas, um mundo de conto de fadas, em que todas as pessoas fossem honestas, civilizadas e bem intencionadas, a sociedade seria perfeita, e não seria necessário sequer existir Estado, leis, polícia e poder judiciário, para garantia da paz social. No contexto de uma sociedade imperfeita e desigual, os cartórios exercem a função de conferir validade jurídica aos documentos privados, aos atos particulares, das empresas e pessoas, com a finalidade principal de garantir a eficácia e produção de efeitos legais desses documentos, evitando litígios e conflitos que, inevitavelmente, iriam terminar nos tribunais. A função do cartório na sociedade contemporânea é “vender” segurança jurídica, a um preço relativamente baixo diante dos benefícios que proporciona.

            O índice de litigiosidade no Brasil é muito caro e elevado: segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tramitam, hoje, no poder judiciário, cerca de 100 milhões de processos, na incrível proporção de um processo para cada dois habitantes. Desses processos, mais de 40 % são contra o Governo (União, Estados e Municípios), outros 40 % são contra bancos e concessionárias de serviços públicos, e menos de 20 % referem-se a questões entre particulares. Esses números demonstram que o sistema cartorial no Brasil funciona como um eficiente mecanismo de prevenção de conflitos entre particulares, do mesmo modo e com os mesmos procedimentos adotados na França, na Alemanha, na Itália, no Japão, e mais recentemente na China e na Rússia, após a queda do bloco econômico socialista. Apenas os países da common law, como Estados Unidos, Inglaterra e Austrália, não seguem o sistema cartorial latino, de origem romanista, mas algumas de suas funções, como de registro civil e de imóveis, são exercidas pelo próprio poder público diretamente.        

            Muitas das críticas sempre dirigidas contra os cartórios - várias delas procedentes-, questionam o caráter de serem hereditários, passando de pais para filhos, e que essa circunstância gera uma acomodação e falta de eficiência. Contudo, dois fatos relevantes provocaram autêntica revolução nas atividades dos cartórios, com uma nova perspectiva de avaliação pela sociedade: o primeiro, a extinção da sucessão familiar, e a investidura de profissionais aprovados em disputados concursos públicos, a partir da Constituição de 1988, o que implicou em maior especialização jurídica e no constante aperfeiçoamento dos serviços; o segundo fato resultou da revolução tecnológica da informática, em que a automatização da atividade veio a permitir não apenas maior agilidade na execução dos atos notariais e registrais, mas, principalmente, aumentou o grau de segurança e de confiabilidade desses atos.

            A partir de normas e procedimentos de controle emanados do CNJ e dos Tribunais de Justiça dos Estados, como entes delegantes e fiscalizadores, todos os atos dos cartórios podem ser acompanhados e conferidos através da Internet. A implantação do selo digital de controle permite que escrituras, procurações públicas e registros, com garantia de autenticidade das partes e da ordem cronológica do ato, sejam realizados em formato eletrônico. Dentro em breve, todos os atos cartoriais serão celebrados pela Internet, sem necessidade das pessoas irem ao cartório, em revolução similar à que ocorreu com a automação bancária.

            As centrais eletrônicas de transparência dos cartórios brasileiros (www.cnj.jus.br), de informações sobre procurações, escrituras e testamentos em qualquer tabelionato de notas (www.censec.org.br), de consulta à indisponibilidade de bens (www.indisponibilidade.org.br) e da autenticidade dos atos celebrados nos cartórios em Pernambuco (www.tjpe.jus.br/selodigital), são recursos que inseriram os cartórios, definitivamente, na era digital. Esses sistemas informáticos estão restaurando a respeitabilidade técnica e a importância da função dos cartórios de conferir segurança jurídica aos atos e documentos das pessoas e empresas, agora com muito maior eficiência e agilidade. Revista Algomais.